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Medidas tributárias minam incentivo ao longoprazo
Pacote iguala alíquota em renda fixa e bolsa, pune VGBL e retira isenções
O pacote tributário sobre aplicações previsto na Medida Provisória 1.303 e no decreto 12.499, que revisa o aumento do imposto sobre operações financeiras (IOF), traz mudanças profundas para o bolso do investidor. No conjunto, o resumo da ópera é que o incentivo ao investimento de longo prazo cai por terra se as alterações forem confirmadas pelo Legislativo — o que por ora está em questão.
A alíquota mínima de 15% para quem aplicava em renda fixa com horizonte acima de dois anos e em investimentos em ações deixa de existir. E na previdência aberta foi mantido o IOF de 5%, agora para aplicações acima de R$ 600 mil anuais no VGBL a partir do ano que vem, com uma regra de transição até dezembro, para aportes acima de R$ 300 mil.
A MP acaba com a isenção para títulos até então isentos para a pessoa física, a exemplo das letras e certificados de crédito imobiliário e do agronegócio (LCI, LIG, LCA, CRI e CRA) e de debêntures incentivadas, que passam a ser taxadas em 5% nas emissões a partir de 2026. O estoque, mesmo em transações no secundário, terá o benefício fiscal preservado, destaca Luca Salvoni, sócio do Cascione Advogados.
A mesma alíquota de 5% alcança dividendos em fundos de investimentos imobiliários (FIIs) e do agronegócio (Fiagros) se a carteira for listada em bolsa, com pelo menos 100 cotistas, sem concentração. Felipe Marin, sócio do Velloza Advogados, explica que, se não for respeitada a regra de dispersão, o imposto passa a ser de 17,5%. O ganho de capital com a venda das cotas no secundário será taxado em 17,5%, ante 20% até aqui.
A revisão unifica a alíquota das demais modalidades nesses 17,5%, acabando com a tabela regressiva que premiava quem deixasse o dinheiro investido por mais tempo na renda fixa ou em fundos que acomodam esses ativos, incluindo as carteiras de recebíveis (FIDC), multimercados e cambiais — a régua começava em 22,5% para operações de curto prazo e caía a 15% após dois anos. Vale para títulos públicos, certificados e recibos de depósitos bancários (CDB e RDB), debêntures tradicionais e outros ativos de crédito privado.
Ganhos com ações e derivativos negociados no mercado futuro e operações de “day trade” também passam a ser taxados em 17,5%, bem como a remuneração de quem aluga esses ativos. A apuração de IR na bolsa passará a ser trimestral, com isenção para vendas inferiores a R$ 60 mil no período. As perdas podem ser compensadas por cinco anos, diz Marin.
A taxação dos fundos de ações sobe de 15% para 17,5%. Os juros sobre capital próprio (JCP), uma forma de as empresas remunerarem seus acionistas alternativa aos dividendos, sobe de uma alíquota de 15% para 20%.
O “come-cotas”, o imposto semestral que incide em fundos de renda fixa, multimercados e cambiais, também vai para o novo padrão de 17,5%.
Nos veículos classificados como de curto prazo, em que a carteira tenha um horizonte médio de até um ano, a mordida antecipada do Leão, em maio e novembro, que era de 20%, vai ficar menor. Mas nos fundos de longo prazo, a alíquota, que era de 15%, vai para 17,5%. Ou seja, não vai haver nenhuma diferenciação para o investidor mais disciplinado que pensa em construir uma reserva estrutural daquele que sai rapidamente das aplicações.
“A alíquota de curto e longo prazo em 17,5% parece uma política fiscal ruim. Era escalonada, decrescente, porque cumpria determinadas finalidades para o financiamento de longo prazo. Agora, o investimento especulativo tem a mesma carga do investimento de longo prazo”, diz Hermano Barbosa, sócio do BMA.
Ele vê a MP dividida em dois conteúdos diferentes. Uma parte é relativa à equalização do tratamento tributário entre diversas aplicações financeiras, bem elaborada, trazendo consolidação sem resultar em aumento de carga tributária. Há, entretanto, um outro bloco que penaliza o investidor.
Ele cita a uniformização das alíquotas de aplicações nos mercados financeiros e de capitais em 17,5%, substituindo a tabela regressiva na renda fixa. Dar o mesmo tratamento a operações de bolsa e fundo de ações também é um desestímulo ao longo prazo.
O novo imposto de 5% para títulos de crédito isentos e dividendos de fundos imobiliários e do agronegócio listados é medida flagrante de oneração da renda, bem como a elevação do JCP para 20%, diz Barbosa.
“O que é ruim é trazer no mesmo projeto medidas de claro aumento de carga tributária com as demais. Se juntar aquelas adotadas nos últimos meses pelo governo federal, são todas pontuais, não se justificam por uma sistematização ou pelo espírito de reforma. É aumento de carga tributária na veia e ponto”, afirma.
Ele entende que os investimentos no exterior também vão para a alíquota de 17,5%. “É coerente que seja assim, mas é uma modalidade que já sofreu uma reforma profunda em 2023”, cita. Os contribuintes acabaram de recolher o IR relativo a lucros de controladas e aplicações offshore pela alíquota de 15%. Como o dólar encerrou 2024 acima de R$ 6, o câmbio depreciado resultou numa majoração da alíquota efetiva.
O tributarista vê como positivo o regime de compensação de ganhos e perdas entre diferentes aplicações. Até aqui, renda fixa só se compensava com renda fixa, variável com variável, e o mesmo valia para investimentos no exterior.
Ricardo Bolan, sócio de tributário do Lefosse Advogados, diz que, diferentemente de outras tentativas de se tirar a isenção dos títulos de crédito, desta vez a proposta traz uma revolução tributária para os investimentos. Traz a retenção exclusiva de 5% para as letras e demais ativos com benefício fiscal e coloca no regime geral as demais aplicações.
Ele avalia que a parte relativa à compensação de lucros e perdas entre diferentes aplicações financeiras veio bem arrumada. A exceção ficou para os ativos digitais.
No decreto que revisou o IOF, Bolan viu algumas correções de rota importantes, como a zeragem de IR nas transações de câmbio feitas pelo estrangeiro, relacionadas ao retorno de investimento em participações societárias. “Havia medidas que poderiam ser vistas como controle de capital”, afirma. Redução de capital fora do ambiente de bolsa ou a alienação de fatia de uma companhia não listada são alguns exemplos.
Para o capital externo, ganhos com ações em bolsa continuam isentos, exceto se em paraísos fiscais, em que a alíquota é de 25%.
Caio Malpighi, associado do Vieira Rezende Advogados, chama a atenção para o fato de a MP considerar como tributável a mera conversão de modalidade de investimento. “Se um investidor estrangeiro direto converte seu investimento em investimento de portfólio (antiga modalidade 4.373), haverá tributação a título de ganho de capital”, afirma. “Converter investimento estrangeiro direto em portfólio (ou vice-versa) não representa acréscimo patrimonial. É apenas uma reclassificação regulatória da mesma posição econômica.”
Segundo o especialista, outra situação que poderá ser capturada pela tributação prevista no artigo 38 é aquela em que um residente fiscal no Brasil faz saída definitiva e vira investidor não residente de portfólio.
“No meio do vespeiro, podemos encontrar algumas boas mudanças, como a exclusão das poucas hipóteses legais atualmente em vigor que direta ou indiretamente tributam operações das carteiras dos fundos”, diz Guilherme Cooke, sócio do Lobo de Rizzo Advogados, referindo-se a artigo que remove a tributação na carteira dos fundos imobiliários e Fiagros relativa a ganhos com ativos de liquidez de renda fixa e variável, “uma realidade inóspita que só esses tipos de fundos lidavam”.
Fonte: Valor Econômico