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Dia da Consciência Negra: confira entrevista com Marina Peixoto, fundadora e diretora do MOVER

 

Instituição reúne coalizão de empresas que atua como agentes de transformação na luta pela equidade racial no ambiente corporativo

 

CCIFB: Quais são os principais objetivos e frentes de atuação do MOVER, e qual tem sido seu impacto desde sua criação?

Marina Peixoto: O MOVER é uma coalisão de empresas que há cerca de dois anos assumiu juntas a ambição de serem agentes de transformação na luta pela equidade racial, investindo na conscientização e geração de oportunidades dentro do mundo corporativo. Temos o objetivo de impactar 3 milhões de pessoas, através de capacitação, emprego e empreendedorismo e atingir, até 2030, a meta de mais 10 mil lideranças negras nas empresas do grupo. Hoje o MOVER conta com 49 empresas de diferentes setores e tamanhos e que acreditam na força do coletivo para conseguir maior impacto, graças às sinergias de escala e trocas de aprendizados.

Nesses dois anos de operação, foram mais de 60 mil bolsas de formação e trilhas de aceleração de carreira, +17 mil divulgações de vagas, muitas delas afirmativas e +85 mil contratações de pessoas negras pelas empresas, com aumento percentual em todos os níveis hierárquicos. Recentemente lançamos uma plataforma coletiva que reúne vagas de todas as empresas e um banco compartilhado de talentos negros e, em breve, começaremos a utilizar também uma outra plataforma coletiva de fornecedores negros visando ampliar o impacto na cadeia.

Também entendemos que existe um grande facilitador para que essas ações aconteçam que é o de Conscientização dentro e fora das empresas e por isso, investimos também em iniciativas de letramento interno e fomento ao debate com a sociedade. Desde a fundação, realizamos uma série de treinamentos com apoio do ID_BR , lives e lançamos no final do ano passado o game Desafio Mover para todos os colaboradores. Ao todo, essas ações já atingiram mais de 70 mil colaboradores até o momento. Também apoiamos e participamos de uma série de eventos promovidos pelas instituições negras para debater o tema, como o Prêmio ID_BR, Brasil Diverso, Fórum Internacional da Zumbi, Conferência ESG Racial, entre outros.

Por último, entendemos que é necessário monitorar os avanços e aprender uns com os outros e por isso temos fóruns mensais de trocas entre os líderes e bimestrais com CEOs, uma newsletter mensal com boas práticas e rodadas anuais para mensuração dos avanços. Ano que vem faremos um censo padronizado e coletivo, e disponibilizaremos outras ferramentas gratuitas para as empresas se apoiarem e avançarem em suas jornadas.

 

CCIFB: Como a atuação coletiva – empresas, esfera pública, associações como a CCIFB – pode fazer diferença para fazer avançar essa pauta, interna e externamente?

Marina Peixoto: O primeiro passo é assumir um compromisso, seja ele individual ou coletivo. Depois, cada empresas precisa entender a sua realidade, através de um diagnóstico, tanto quantitativo da demografia, quanto qualitativo do ambiente e dos processos. É importante

destacar que não se trata somente de acesso a vagas de trabalho, mas de oferecer um ambiente acolhedor e inclusivo e ferramentas de equidade para que carreiras negras sejam impulsionadas. Para isso, é urgente e necessário também ampliar o nível de conscientização de todos os colaboradores, principalmente de quem vai contratar, reter, desenvolver e incluir esses talentos.

Uma mudança na cultura corporativa é necessária e sabemos que mudança de cultura exige investimento e um esforço contínuo. Dividir com quem passa pelos mesmos desafios, aprender uns com os outros e somar esforços para ganhar escala, ajuda a tornar a jornada mais leve e, ao mesmo tempo, mais eficiente. Foi essa crença que levou as empresas do MOVER a se reunirem e formarem o movimento. E sabemos que podemos nos fortalecer ainda mais nos unindo a outros movimentos existentes ou articulando com poder público e outras iniciativas. Como exemplo, há alguns meses atrás nos unimos no chamado Pacto dos Pactos que reuniu o MOVER, o Pacto Global da ONU e Pacto pela Promoção da Equidade Racial, com objetivo de dividir estratégias e pensarmos em ações conjuntas. Em outra parceria ano passado, nos unimos com a Iniciativa Empresarial para cocriar o Fórum Internacional pela Equidade Racial e esse ano junto a eles apoiamos a segunda turma afirmativa de formação de Conselheiros de Administração.

Associações como a CCIFB podem também organizar encontros para trocas de boas práticas, convidar as empresas a se unirem a essas inciativas já existentes ou incentivar que se comprometam em avançar em suas próprias jornadas. E aliás, quem quiser aproveitar a sugestão de jornada criada pelos voluntários do MOVER é só acessar o nosso guia disponível no site http://www.somosmover.org.

 

CCIFB: No âmbito da presidência brasileira do G20 a partir de dez/23, quais avanços em termos de políticas privadas e públicas o MOVER julga necessário priorizar?

Marina Peixoto: Antes de mais nada, vale relembra um pouco do nosso passado, pra entender o nosso presente e priorizar ações futuras. O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão, após quase 400 anos em que os negros e indígenas eram vistos como seres inferiores e até mesmo não-humanos. Mesmo após a libertação dos escravizados, pela Lei Áurea (1888), não houve nenhum outro tipo de garantia ou direito estabelecido, o que dificultou o acesso ao mercado de trabalho e à educação e, fez com que essa discriminação racial fosse enraizada na sociedade fazendo com que até os dias de hoje seus efeitos sejam sentidos.

A Constituição de 1988 estabeleceu uma série de direitos fundamentais como direito à liberdade, à saúde, à justiça e igualdade para todos, sem distinção de raça, gênero, cor, origem, idade, e colocou o racismo como crime inafiançável. Ela ainda proibiu a diferença salarial e de critério de contratação por motivos de gênero, idade, cor ou estado civil. No entanto, sabemos que isso não foi suficiente para mudar a realidade desigual da população negra que, apesar de serem mais da metade da população brasileira (56% segundo o IBGE), representam hoje 80% da população vulnerável, 64% dos desempregados e recebem em média 40% a menos que o salário das pessoas brancas.

A lei de Cotas de 2012 e que foi recentemente atualizada e renovada pelo Governo pode ser considerada uma das mais bem-sucedidas políticas públicas da história do nosso país. Ela teve importante papel em ampliar o acesso a jovens anteriormente excluídos do ensino superior público e em assegurar que as universidades e institutos federais contasse com maior diversidade. Apesar dos avanços, ano passado, houve queda na participação de pessoas negras nos principais vestibulares do país e muitos jovens que haviam ingressado na universidade

trancaram suas matrículas para ajudar a família, impactada pela crise econômica, desde a pandemia. Há a necessidade de se criar mecanismos complementares para que esses jovens não abandonem os estudos e acessem o ambiente de trabalho. A Bolsa Permanência, e os Programas Afirmativos das empresas são soluções complementares para garantir uma inclusão real. É preciso também rever os processos de recrutamento das empresas, reduzir os pré-requisitos excludentes e investir em desenvolvimento após a contratação. E, claro, precisamos também garantir a qualidade da educação básica pra que essa jornada seja sustentável no longo prazo.

Voltando à pergunta sobre prioridades que julgo necessárias para promover Equidade Racial, tanto no âmbito público quanto no privado, resumiria o seguinte:

-Ações afirmativas nas universidades públicas e particulares, que buscam garantir o acesso e a permanência de estudantes negros e indígenas no ensino superior;

-Cotas nos concursos públicos, que reservam uma porcentagem das vagas para candidatos negros e indígenas;

-Metas de inclusão nas empresas particulares, que estabelecem compromissos e práticas para aumentar a diversidade racial nos quadros funcionais e de liderança;

-Investimento social privado em projetos e programas que apoiam a redução da desigualdade racial e o empoderamento de grupos étnico-raciais vulneráveis;

-Políticas públicas de enfrentamento ao racismo e à discriminação, que visam garantir os direitos humanos e a cidadania plena de todos os indivíduos, independentemente de sua raça ou etnia.

-Vale salientar a importância de termos lideranças comprometidas e vozes diversas nas esferas de poder para ampliar as discussões e garantir que essas mudanças se concretizem.