São Paulo Webinar

Painel aborda a judicialização da saúde

Médicos e advogados trouxeram reflexões sobre os desafios do acesso à saúde e principais conflitos com as operadoras privadas no Brasil

O evento “Judicialização da Saúde: desafios atuais”, organizado pelas Comissões de Saúde e Legal da CCIFB-SP, discutiu, no dia 14 de março, o papel da Justiça na conscientização do poder público e das empresas de planos de saúde para reequilibrar a relação entre o cidadão e o direito à saúde, abordando a diversidade de casos envolvendo a saúde pública, privada e suplementar.

O médico e advogado Silvio Valente foi um dos palestrantes convidados. Ele destacou que a judicialização da saúde ocorre quando o acesso à saúde não é viabilizado, seja no SUS ou na rede privada. Ele ressaltou o aumento significativo de ações judiciais nos últimos 10 anos e lembrou o caso da fosfoetanolamina, medicamento desenvolvido por um pesquisador da Universidade de São Paulo e que ficou conhecido como "pílula do câncer" há cerca de 10 anos. O sistema judiciário recebeu 13 mil liminares em apenas 8 meses para fornecimento desse medicamento de alto custo. “Essa discrepância evidencia um alto custo para beneficiar um número reduzido de pacientes, já que esse dinheiro poderia ser direcionado para exames e medicamentos que beneficiariam um número muito maior de pessoas”, afirma. “No entanto, não podemos deixar de reconhecer a importância de o Judiciário monitorar e garantir o acesso das pessoas aos medicamentos e à saúde.”

Valéria Calente, vice-líder da Comissão de Saúde, mencionou a resistência de alguns médicos em fazer relatórios para planos de saúde e sistemas de saúde, o que é necessário para a fundamentação adequada para obter aprovação judicial. “Esses relatórios precisam de mais qualidade, o que poderia ser abordado inclusive nas escolas de Medicina”, sugere.  

Em seguida, a enfermeira Neusa dos Santos Lobo compartilhou as dificuldades que enfrentou com seu plano de saúde. Ela passou por várias cirurgias cardíacas ao longo dos últimos anos, incluindo a troca de uma válvula cardíaca. Recentemente, em 2022, a válvula cardíaca se quebrou e o plano de saúde negou que a troca fosse feita via cateterismo, que era o procedimento médico mais indicado para o caso dela. Como resultado, ela precisou recorrer à via judicial para garantir seus direitos.

Valéria levanta a questão da falta de gestão dos convênios de saúde: “no caso da Neusa, o cateterismo, apesar de mais caro inicialmente, teria sido mais econômico a longo prazo. O procedimento menos invasivo tem a vantagem de apresentar menos complicações e custos hospitalares com internação. Ou seja, os planos erram ao não considerar não apenas o custo imediato, mas também os benefícios a longo prazo dos procedimentos médicos.”

Na sequência, outro convidado, o médico ginecologista e cirurgião Dr. José Remohi Llana, acredita que a justificativa do Governo sobre os altos gastos com a judicialização de medicamentos caros é, na verdade, uma desculpa para a má gestão dos recursos básicos. Ele destaca a falta de insumos e atendimento básicos pode levar a complicações de patologias simples que, muitas vezes, são tratadas com medicamentos baratos. “Essas complicações podem se tornar crônicas, custando mais para o sistema de saúde e comprometendo a saúde do paciente”, observa. Remohi relata que, no seu dia a dia no hospital, observa muitas negativas de cirurgias por parte dos convênios médicos, seja em relação ao material ou ao procedimento em si. Ele ressalta que essa situação não ocorre apenas na rede pública, mas também em bons hospitais. Tudo isso acaba indo para a justiça, mas há, também, casos em que se processa o médico: “nessas situações, os processos têm motivação variada, como imperícia, imprudência ou, pior, negligência”, diz. “De qualquer forma, minha visão sobre a judicialização da saúde é positiva. Acho que essa prática não representa perdas, mas sim ganhos, pois permite conhecer melhor o funcionamento dos planos de saúde e o trabalho dos médicos.”

Entre os problemas mais comuns que acabam resultando em glosa por parte dos planos de saúde está a dificuldade crescente em obter reembolso, explica o advogado Carlos Magno. Segundo ele, o Revalida, exame de validação do diploma de medicina obtido em outros países, é outra causa frequente para ações judiciais. Ele também aponta o grande número de instituições de Medicina inauguradas recentemente no Brasil e questiona os métodos de ensino utilizados, que podem impactar na qualidade da formação dos médicos, como aulas em bonecos ao invés de cadáveres e até mesmo o ensino híbrido, que traria deficiências graves a um aprendizado que se faz essencialmente na prática.

Carlos Magno também aborda a questão do título de especialista como um fator que gera muita judicialização por parte dos médicos: “em outros países, médicos não podem atuar sem esse título. No Brasil, a lei permite que os formados em medicina atuem sem serem especialistas, podendo até realizar cirurgias complexas sem o título.”

Para ele, o aumento de processos judiciais não é necessariamente negativo, pois amplia o direito à ampla defesa: “na maioria dos casos, um processo justo e conduzido de maneira adequada é necessário para garantir os direitos das partes envolvidas.”

Maurício Mendonça, líder da Comissão, finalizou o painel destacando que ele trouxe reflexões sobre um tema desafiador. Segundo ele, a quantidade de processos judiciais na saúde reflete o baixo investimento do país nessa área. “O SUS é uma instituição complexa que faz milagres com os recursos disponíveis, mas isso também se deve ao sacrifício das pessoas envolvidas”, afirma. “A judicialização é uma manifestação social dessas deficiências no sistema de saúde brasileiro”, conclui

 

O evento teve, também, participação do líder da Comissão Legal, Philippe Boutaud-Sanz.

Confira abaixo a galeria de fotos e, em seguida, a gravação do evento, que ocorreu de forma híbrida.