São Paulo Atualidade das empresas
Quais são as importadoras de vinhos que investem em nichos com clientes fiéis
Enquanto as grandes importadoras do segmento faturam centenas de milhões de reais por ano, as especializadas costumam se dar por satisfeitas com resultados bem mais modestos
O francês Philippe Ormancey fez aquilo com que tanta gente sonha e que bem poucos têm coragem de fazer: jogou uma carreira estável como executivo para o alto e foi viver as incertezas de uma paixão. Em 2011, três anos depois de ser transferido para o Brasil como presidente na América do Sul de fusões e aquisições da ArcelorMittal, deu adeus à companhia. Era isso ou encarar o novo desafio imposto pela siderúrgica: mudar-se para a China, onde ela também atua. “Não quis submeter minha família a uma nova mudança e concluí que tinha chegado a hora de investir em um projeto pessoal”, lembra ele, nascido nos arredores de Paris.
Mudou do aço para o vinho, convertendo-se em importador especializado em rótulos franceses — que diz consumir desde que se entende por gente. “Nas idas às lojas especializadas e aos supermercados brasileiros nos tempos da ArcelorMittal, eu só costumava encontrar variedades do tipo a preços absurdos ou de baixíssima qualidade”, conta Ormancey, justificando a criação da Chez France. Na ativa desde 2012, quando ele se desvencilhou da siderúrgica, a importadora é focada em pequenos produtores, com os quais mantém contratos de exclusividade. “Pelo fato de importarmos sem recorrer a intermediários, nossos vinhos custam de 30% a 50%menos do que produtos com o mesmo padrão à venda no Brasil”, diz o importador. “Vinho premium, para a Chez France, não é sinônimo de R$ 400, mas da faixa entre R$ 120 e R$ 150.”
Restrita ao segmento B2C, a companhia nunca teve loja física e nem pretende. “Considerando o mercado de vinhos como um todo, as vendas online representavam só 5% do total na época em que a Chez France surgiu; hoje já são 30%”, observa Ormancey. “É um sinal de que optamos pelo caminho correto.” É ele quem se encarrega de dizer que rótulos estão ou não à altura do portfólio.
“Dou preferência a vinhos pouco ou nada amadeirados, que permitem que as uvas se expressem e favorecem o consumo no dia a dia”, resume. Um dos champagnes que ele selecionou é o Réserve Brut, feito com uvas chardonnay, pinot noir e pinot meunier, da Maison Vollereaux (R$ 307,30). O chablis do Domaine Maurice Lecestre, situado na Borgonha, custa R$ 329. Com o passar dos anos, a importadora também se rendeu aos rótulos de Portugal, Itália, Espanha e Grécia.
No mês passado, a Chez France adquiriu os ativos da importadora Sociedade da Mesa, que pertencia ao grupo espanhol Vinoselección e dispunha de um conhecido clube de vinhos e de uma revista especializada nesse universo. “Adquirimos uma empresa três vezes maior do que a nossa”, gaba-se Ormancey.
Com a compra, o faturamento da companhia dele irá saltar dos R$ 7 milhões de 2022 para R$ 20 milhões neste ano. Ela trouxe 60 mil garrafas no ano passado e para 2023, considerando a aquisição, estão previstas 200 mil. A marca Sociedade da Mesa será descontinuada e os membros do clube estão sendo direcionados para o da Chez France, sediada em São Paulo. Para daqui a três anos, a meta é importar 350 mil rótulos por ano e faturar R$ 40 milhões. “Escolhemos um nicho sólido”, afirma o ex-executivo da ArcelorMittal.
Enquanto as grandes importadores do segmento faturam centenas de milhões de reais por ano, transportam contêineres e contêineres e escoam seus vinhos por meio de canais de venda diversos, as de nicho costumam se dar por satisfeitas com resultados bem mais modestos. É o caso da Cave Léman, também de São Paulo.
Criada em 2018 pelo paulistano Marcio Morelli — que antes trabalhava como consultor de empresas na Suíça, onde ele morou por cinco anos —, a importadora é especializada em rótulos de baixa intervenção. Falamos dos vinhos naturais e também dos orgânicos e biodinâmicos, que passaram a fazer enorme sucesso de uns anos para cá. “Prefiro dizer que se trata de produtos que seguem uma filosofia purista e que respeitam mais o consumidor e a natureza”, informa Morelli.
Para os naturais, ou vivos, estão vetados a clarificação, o controle de temperatura e o uso de herbicidas e demais aditivos químicos. “A fama desses vinhos abriu espaço para o surgimento de variedades de péssima qualidade”, admite o fundador da Cave Léman. “Mas considerar defeitos como características dos naturais é inadmissível.” Não existe uma certificação que regule rótulos do tipo, mas para os orgânicos —aqueles que basicamente proíbem o uso de fungicidas e inseticidas —, sim. Varia de país para país e a maioria veta a adição de sulfito, a demonizada substância que combate a oxidação e favorece o transporte da bebida para lugares distantes.
Os biodinâmicos são feitos de acordo com os preceitos do filósofo Rudolf Steiner (1861-1925), fundador da pedagogia Waldorf e da medicina antroposófica. Esses vinhos ostentam o selo emitido pela associação Demeter, que atesta que o vinhedo põe em prática a rotação de culturas, que diminui o desgaste do solo, e leva em conta as fases da lua e as estações do ano na hora do plantio e da colheita — a certificação é mais branda em relação ao sulfito.
Outra certificadora é a Biodyvin, utilizada por vinícolas estelares como as francesas Domaine de la Romanée-Conti e Domaine Leflaive. Convém lembrar que há inúmeras vinícolas que seguem os mandamentos orgânicos e biodinâmicos à risca— sem se preocupar, no entanto, em obter certificados.
O portfólio de vinhos da Cave Léman, que também importa algumas cervejas europeias, reúne 25 produtores. A maioria deles está concentrada na França e na Áustria, embora haja espaço para vinícolas alemãs, italianas e portuguesas. O austríaco Christian Tschida é um dos produtores mais festejados no portfólio. Um dos tintos dele à venda, o Cabernet Franc Non Tradition, custa R$ 697. O pinot noir do produtor Claus Preisinger, outro da terra de Mozart, custa R$ 465.
“O nicho dos vinhos de pouca intervenção é vantajoso porque atrai clientes fiéis, que não veem mais graça nos vinhos ‘mainstream’”, resume Morelli. “No ano passado, 47% da nossa base fez mais de uma compra.” Quantas garrafas de vinho foram vendidas em 2022? Cerca de 16 mil. “As vendas no começo deste ano foram horríveis”, admite o empresário, que também não dispõe de loja física. “Se batermos o resultado do ano passado em 2023 já estará de bom tamanho.”
A especialidade da Anima Vinum, que mantém uma pequena loja no bairro de Moema desde 2017, são os rótulos franceses de regiões como Champagne e Borgonha. Trata-se de uma filial independente de uma importadora francesa de mesmo nome.
Fundada em 2015 pelo empresário Alaor Lino, a operação verde-amarela iniciou suas atividades importando apenas 12 rótulos. Hoje ela traz mais de 600 variedades de 70 produtores, em geral de pequeno porte, num total de 30 mil garrafas por ano. Não é raro receber apenas 100 unidades de cada produto. O contra-rótulo de todos informa a quantidade de garrafas produzidas — geralmente entre 400 e 1.500. O Pinot Noir Hautes-Côtes-de-Beaune sai a R$ 302 e o champagne extra brut Les Terres Fines custa R$ 794.
Restaurantes como Fasano e La Tambouille respondem por cerca de um terço das vendas. Entusiastas de grandes vinhos, mas não necessariamente entendidos, se encarregam da fatia restante. “Ficamos conhecidos pelas degustações que fazemos na loja”, diz Alaor. “Partimos do princípio de que, para vender um grande vinho, é preciso permitir que os clientes o provem.” Ele só vê vantagens na aposta no nicho que escolheu. “O que menos nos preocupa é o volume de vendas”, jura.
“Oferecemos vinhos com características únicas e trabalhamos com consumidores fiéis. O único porém é a alta expectativa do nosso público, sempre à espera de algo novo e surpreendente.”
A única importadora do país que se especializou em rótulos alemães é a Weinkeller, que dispõe de uma loja física em Pinheiros. Na ativa desde 2012, pertence ao casal formado pela catarinense Vivien Kelber e pelo alemão Tobias Welsch. Conheceram-se no país dele, onde ela ganhou intimidade com os vinhos brancos de lá. E casaram-se num célebre reduto da comunidade alemã em São Paulo, o Club
Transatlântico, na Chácara Santo Antônio. Durante a preparação da festa, solicitaram algo aos organizadores que julgavam simples de obter e ainda mais ali: vinhos da Alemanha. A resposta: negativo. “Não serviam vinhos de lá pela dificuldade de encontrar rótulos a preços aceitáveis no Brasil”, lembra Kelber.
Veio daí a ideia de preencher essa lacuna. “Apostamos em rótulos premium e damos preferência a vinícolas orgânicas ou biodinâmicas”, diz a importadora. “E nos encarregamos de garimpá-los pessoalmente.” Hoje o portfólio da Weinkeller é formado por cerca de 30 rótulos de uma dezena de produtores. Os varietais com a uva riesling são, de longe, os mais vendidos, a exemplo do Goldstück, da vinícola Schloss Lieser (R$ 429).
Elaborado com a uva gewürztraminer, o Silberberg, da Weingut Heinz Pfaffmann, custa R$ 249. A clientela é formada principalmente por restaurantes como os paulistanos Cais e Barú Marisqueria — clientes finais respondem por 40% das vendas.
Crescido em meio a bancos e vinhedos, como a maioria de seus familiares, o francês Philippe de Nicolay Rothschild começou a importar vinhos para o Brasil, onde vive desde 2010, a princípio para abastecer a própria adega. A ideia partiu de uma ligação que ele fez para um dos importadores que traziam rótulos da família — os da incensada vinícola Lafite Rothschild são os mais conhecidos.
“Você tá falando em qual moeda? Iene? Lira italiana?”, esbravejou o francês ao se dar conta dos preços cobrados pelo tal importador. “Eu sei por quanto você comprou.” Daí a criação, em 2013, da importadora de vinhos PNR. São as iniciais do filho do barão Guy de Rothschild (1909-2007), bisneto daquele que comprou em 1868 o Château Lafite, hoje Lafite Rothschild.
Com direito a um clube de vinhos, batizado de Edega, a importadora concentra esforços nos vinhos da família de Philippe, a exemplo do Carruades de Lafite 2019, vendido a R$ 7.373, e do Corbières 2017, do Château d’Aussières, que sai por R$ 667 (associados do clube pagam menos). Mas a PNR também trabalha com outras 30 vinícolas, como a espanhola Félix Callejo e a do francês Daniel-Etienne Defaix. No portfólio só entram vinhos degustados e aprovados por Philippe, que carrega sobre os ombros uma trajetória familiar nesse universo que começou em 1853.
Fonte: Por Daniel Salles — para o Valor, de São Paulo