Rio de Janeiro Atualidade das empresas

Carlos Vergara: “Viajo para encontrar, não para conquistar”

Entre o Rio, a França, o artista brasileiro fala sobre a força poética da terra, o poder da memória e a arte como motor de descoberta e de diálogo

“Ser convidado para uma residência na França é como acordar o jovem artista dentro de mim”, confessa Carlos Vergara, um dos grandes nomes da arte contemporânea brasileira. Pintor, escultor, fotógrafo, ele está prestes a desembarcar no Château Cos d’Estournel, no Médoc, para uma residência artística onde levará muito mais que obras: levará terras do Brasil, pigmentos, memórias e um olhar sempre aberto.

“Eu me transfiro de corpo e alma”, diz ele. Porque para Vergara, criar é doar e receber. É mergulhar num lugar, escutar o que ele tem a dizer e oferecer, em troca, uma interpretação sensível, enraizada, vibrante. Há décadas, ele tece uma obra profundamente ligada às paisagens brasileiras, à sua matéria, à sua memória. Lembra especialmente da sua instalação na loja da Varig na Champs-Élysées, onde havia levado terra do Ceará: “um carnaval visual”, um choque de cores e sensações pensado para provocar outro tipo de viagem.

Ainda hoje, suas esculturas expostas no Pão de Açúcar, no Rio, falam mais aos turistas do que aos locais. Isso não o incomoda: “A ideia é sempre a mesma: compartilhar pensamentos, sentimentos. Dialogar com o outro, seja ele quem for.” Para ele, arte não é um produto, mas um gesto de ligação.

Nesta nova residência na França, ele não traz um projeto fechado, mas uma disposição: a da escuta e do encontro. “Não é um desafio para uma luta, é um desafio para um encontro”, resume. Levará terras coloridas, pós de madeira de Pau-Brasil — madeira nobre usada antigamente para fazer arcos de instrumentos — e a vontade de um intercâmbio fértil entre dois territórios. “Talvez isso possa acender alguma coisa, na cabeça ou no coração”, murmura.

Ele também fala das missões jesuíticas de São Miguel, no sul do Brasil, onde trabalha há anos para revelar a beleza dos vestígios: um coração esculpido pelos Guaranis, três feixes de luz e uma presença do passado que desafia o tempo. “O que eu tento fazer é captar essa força poética e transformá-la em imagem.”

Carlos Vergara nunca sai de casa com um plano pronto. Ele parte “com o coração aberto”. Não busca impor, mas escutar. Deixar-se atravessar. Pois é aí, diz ele, que nasce a arte: no espaço invisível entre os seres, entre as terras, entre as histórias.

Vincent Kieffer

TODAS AS PUBLICAÇÕES