São Paulo Comissões

Desafios e estratégias no combate ao crime organizado

Evento organizado pela Comissão de Gestão de Riscos aborda como prevenir e quais os impactos de atividades ilícitas nas empresas

O que é o crime organizado, quais os seus impactos nas empresas e como mitigar os riscos para os negócios? Essas foram algumas das questões presentes no evento “Como proteger sua empresa de riscos do crime organizado", realizado em 19 de março pela Comissão de Gestão de Riscos da CCIFB-SP. A mediação foi do Líder da Comissão, Antoine Blavier.

O palestrante convidado foi Fábio Ramazzini Bechara, promotor de Justiça do GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado). Segundo ele, as organizações criminosas no Brasil vêm se sofisticando nos últimos anos, tanto na articulação quanto na ramificação. Segundo relatório Global Risk, do Fórum Econômico Mundial, a expansão dos mercados ilícitos traz impactos e riscos significativos para países em desenvolvimento, inclusive ameaças à democracia.

De acordo com Bechara, o Brasil, tradicionalmente, tenta enxergar e identificar a estrutura criminosa em toda a sua composição. Essa abordagem, no entanto, é demorada, lenta e pouco impactante no enfrentamento das organizações. “É crucial entender os fatores que apoiam e sustentam a proliferação desses grupos, como aspectos geográficos, corrupção local e presença do Estado em zonas vulneráveis”, diz. O promotor acrescenta que essas questões ficam evidentes na comparação entre as duas maiores metrópoles brasileiras, Rio de Janeiro e São Paulo: “no Rio, a política local coopta as pessoas. Além disso, a milícia é muito grande e sofisticada, sendo praticamente um estado paralelo. Em São Paulo essa realidade ainda não é vivenciada totalmente, embora a Baixada Santista seja uma região de atenção. Nesse contexto, a corrupção é vista não como objetivo final da organização criminosa, mas como um elemento operacional e um custo necessário para manter a estrutura em funcionamento.” Além da Baixada Santista, Bechara explica que essa lógica se aplica, por exemplo, à Cracolândia, região na capital paulista dominada pelo tráfico de drogas. Lá, a proliferação de outras atividades, como prostituição, comércio ilegal de peças de carros, contrabando etc causa uma desordem tal que a ação do Estado é insuficiente ou mesmo omissa, o que acaba sendo conveniente para certos grupos.

Estruturas dinâmicas – As organizações criminosas se adaptam, mudam e migram para onde podem agir com mais facilidade. Por isso, a abordagem ao crime organizado deve priorizar a investigação de outras atividades econômicas ilícitas. Outra estratégia, de acordo com a experiência do promotor, é buscar acordos bilaterais e memorandos de entendimento, além de melhorar os mecanismos de troca de informações com outros países. “No Brasil, infelizmente, ainda há uma certa lentidão no uso da inteligência devido à disputa de poder e rivalidade entre os órgãos envolvidos, bem como à falta de lideranças positivas e à pouca compreensão real do problema”, afirma o promotor.

Blavier aponta que a existência de uma base de dados que não se mostra eficaz traz a sensação de que sempre se dá um passo para trás no combate às organizações criminosas. Sobre esse ponto, Bechara diz que as ações que envolvem múltiplas agências (Polícia Federal, Ministério Público etc) geralmente enfrentam dificuldades devido às diferenças nos interesses, nas políticas de controle, nas ambições envolvidas e na integridade das instituições. Nesse ponto, diz, a convivência e as conquistas compartilhadas são essenciais para gerar engajamento e possibilitar o sucesso das iniciativas, especialmente no caso de investigações e operações complexas.

Lavagem de dinheiro – perguntado sobre como as organizações se infiltram nas empresas para usá-las na lavagem de dinheiro, o promotor responde que o crime fará esforços para transformar todo e qualquer produto ilícito, desde enterrar dinheiro até investir na Bolsa de Valores. “Há dois fatores nessa história. Um deles é a baixa confiabilidade de documentos para abrir contas ou empresas e até mesmo para se hospedar em hotel. No Brasil, essa fragilidade é assustadora”, afirma. “Vejamos o exemplo da mineração ilegal na Amazônia. A pessoa apresenta papeis e declarações preenchidas a mão para informar a origem do ouro. Isso não é questionado; ninguém pergunta se os documentos são verdadeiros ou não”, acrescenta. Da mesma forma, os sites de aposta são um canal cada vez maior para essa lavagem, com o agravante do baixo risco de detecção de movimentações, uma vez que muitas das empresas que os mantêm estão hospedadas no exterior, onde não há jurisdição brasileira. O mesmo ocorre com operações em criptomoedas, que não se reportam ao COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Outro ponto delicado é a facilidade para abrir e fechar empresas no Brasil. Além disso, diz o promotor, “é possível mudar o perfil de uma empresa com ela já aberta, o que complica o rastreio de operações ilegais. O anonimato nas transações monetárias e a falsificação de documentos também são apontados como obstáculos para as investigações, impedindo, muitas vezes, a chegada às pessoas no topo da cadeia do crime.”

Por fim, Bechara recomenda que, quando a empresa ou algum colaborador detecta atividade criminosa, é necessário avaliar o caso antes de denunciar. Em primeiro lugar, vem a proteção da pessoa e do negócio. É importante entender que a empresa pode não ser o alvo final do crime, mas um caminho conveniente para algo maior. Por isso, é interessante gerar o máximo possível de documentação a fim de se resguardar e reportar as movimentações ocorridas. “No Brasil ainda temos certa cumplicidade com o crime, tanto nas empresas quanto nos órgãos públicos. A amizade ou a ‘vista grossa’ costumam se sobrepor a certos casos, mas é necessária uma mudança nessa cultura”, finaliza.