São Paulo Comissões
O futuro da saúde mental no trabalho: regulamentação e práticas essenciais
Evento da Comissão Mundo do Trabalho da CCIFB-SP debateu as mudanças da NR-1 e seus impactos no ambiente corporativo
O mundo do trabalho está sendo chamado a olhar para o que, durante muito tempo, permaneceu invisível: os riscos psicossociais no ambiente corporativo. Em debate promovido pela Comissão do Mundo do Trabalho da CCIFB-SP no dia 23 de junho, especialistas discutiram as implicações da nova redação da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que exigirá, a partir de 2026, o mapeamento desses riscos no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). A conversa reuniu a advogada trabalhista Vanessa Larizzatti Maia Rossi, do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, e o CEO da Foundever no Brasil, Laurent Delache. A mediação foi de Raquel Busnello, líder da Comissão.
A Portaria nº 1.419/2024 amplia a definição de riscos no ambiente laboral, incluindo fatores emocionais, sociais e organizacionais. Vanessa reforçou a urgência do tema: “estamos vivendo uma pandemia de doenças psicológicas e psiquiátricas. Não podemos mais ignorar essa realidade”. Para a advogada, o presenteísmo — quando o colaborador está presente, mas sem condições reais de trabalho — é um alerta silencioso que precisa ser enfrentado com seriedade.
Vanessa destacou ainda que a nova exigência requer uma abordagem transversal dentro das empresas, unindo jurídico, recursos humanos, saúde e segurança do trabalho. “Esse não é um trabalho só do jurídico, do RH ou da saúde — tem que ser realmente feito em conjunto”, pontuou. Ferramentas como questionários validados, análise de indicadores e canais de escuta segura tornam-se essenciais para diagnosticar e prevenir o adoecimento mental.
A perspectiva empresarial foi apresentada por Laurent Delache, que compartilhou a experiência da Foundever, empresa com 5 mil colaboradores no Brasil, muitos deles em regime remoto. Segundo o executivo, o desafio da saúde emocional no setor de contact center é diário — e estratégico. “Ninguém liga para agradecer; as pessoas entram em contato porque têm um problema. Se o atendente não estiver psicologicamente preparado, ele é destruído por dentro”, disse.
A Foundever tem investido em múltiplas frentes para mitigar esses impactos: programas de apoio psicológico, ações de assistência social, estímulo à vida saudável e, recentemente, educação financeira. A estratégia é ampliar o cuidado para além do ambiente profissional, considerando que muitos colaboradores já chegam à empresa com vulnerabilidades significativas. “Quando a gente fala em diversidade, precisa estar preparado para acolher realidades muito diferentes”, afirmou Delache.
O executivo também relatou os avanços obtidos com a abertura de canais éticos. “As situações já existiam, mas não eram verbalizadas. Criamos um espaço de confiança e já desligamos gestores por comportamentos inaceitáveis”, contou. O número de denúncias cresceu, mas, para Delache, isso é sinal de um ambiente mais maduro e transparente. Ainda assim, a percepção interna dos colaboradores mostrou lacunas importantes.
Uma pesquisa recente indicou que apenas 32% dos colaboradores da empresa percebem um bom clima organizacional. Muitos relataram falta de apoio de lideranças e colegas. “A gente comunica por todos os meios — televisão, parede, português, espanhol — e ainda assim há ruído. Isso diz muito”, avaliou o CEO. A constatação revelou o quanto os valores da empresa precisam ser traduzidos em ações cotidianas.
O modelo híbrido, embora positivo em termos de mobilidade e inclusão, também impõe desafios à coesão e ao senso de pertencimento. O isolamento de quem trabalha remotamente e a dificuldade de formar laços interpessoais são questões que exigem atenção, especialmente em times formados por jovens em seu primeiro emprego ou por pessoas que enfrentam realidades sociais mais duras.
Vanessa alertou ainda para os riscos legais e econômicos do descumprimento da nova norma, que podem incluir investigações do Ministério Público e penalizações via Fator Acidentário de Prevenção (FAP). Mas, para além do aspecto normativo, o foco deve estar na construção de ambientes mais seguros e empáticos. “Trata-se de cuidar das pessoas para evitar danos humanos e reputacionais que custam caro demais”, enfatizou.
Apesar dos desafios, os indicadores da Foundever mostram que há retorno. O turnover está abaixo de 5%, e o índice de satisfação dos clientes (NPI) saltou de -8% para mais de 60%. “Talvez os programas ainda não tenham sido percebidos por todos, mas imagina como seria sem eles”, disse Delache. O executivo defende que investir em bem-estar não é custo, mas diferencial competitivo.
Ao final do debate, ficou evidente que a entrada em vigor da nova NR-1 exige mais do que ajustes técnicos. Exige uma transformação profunda na forma como as empresas encaram a gestão de pessoas. Como afirmou Delache, “não dá para se satisfazer com o que fizemos até agora. Temos muito o que evoluir, mas o importante é que começamos — e com coragem para encarar a realidade como ela é”.
Confira a gravação do evento na íntegra: