São Paulo Comissões
A Lei Anticorrupção no Brasil: avanços, lacunas e disputas internacionais
Comissão Legal da CCIFB-SP analisa os desafios na aplicação da Lei Anticorrupção, os acordos de leniência e o impacto das regras globais de compliance
No mundo dos negócios, ética e integridade deixaram de ser diferenciais para se tornar pré-requisitos. Foi nesse contexto que a Comissão Legal da Câmara de Comércio França-Brasil de São Paulo promoveu, em 13 de agosto, o webinar “Práticas de Anticorrupção e Ética Corporativa no Ambiente de Negócios Brasileiro”, reunindo especialistas do escritório Mattos Filho Advogados, associado da instituição.
O encontro, moderado por Thais Arza Monteiro, vice-líder da Comissão, trouxe reflexões de Thiago Sombra, sócio das áreas de Tecnologia, Compliance e Direito Público, e de Luiza Cattley, advogada sênior em Compliance e Ética Corporativa. A abertura ficou a cargo de Philippe Boutaud-Sanz, líder da Comissão, que ressaltou a pertinência do tema em um cenário de transformações legais e regulatórias.
Um dos pontos centrais foi o impacto da transição da antiga Lei de Licitações para a Lei nº 14.133 e os mecanismos de governança previstos na Lei das Estatais. Para Sombra, compreender esse ambiente é indispensável: “A administração pública brasileira movimenta uma parte expressiva do PIB nacional, o que torna essencial conhecer o ambiente regulatório para quem busca contratos com o Estado”. Ele destacou ainda que programas de compliance já funcionam como requisito e até como critério de desempate em licitações.
A discussão abordou também a Lei Anticorrupção, que completou dez anos em 2024 e consolidou-se como marco regulatório da integridade corporativa. Sombra chamou atenção para sua eficácia extraterritorial: “É muito difícil você fugir do rastro de aplicabilidade dessas leis, especialmente se a empresa for listada em bolsa nos Estados Unidos, França ou Brasil”. Ele lembrou também que a Controladoria-Geral da União (CGU) é a principal responsável pela aplicação da norma, mas outros órgãos podem abrir investigações.
Luiza Cattley reforçou a dimensão cultural da integridade corporativa, ressaltando que práticas anticorrupção já se espalham também no setor privado. “Esse movimento cria um efeito de capilaridade, levando práticas de integridade para além do setor público”, disse, referindo-se ao aumento de cláusulas contratuais que exigem compromisso com compliance entre empresas e fornecedores.
A advogada destacou ainda o rigor da lei ao prever responsabilidade objetiva das empresas, independentemente de autorização ou conhecimento do ato ilícito. “A companhia pode ser responsabilizada mesmo sem ter autorizado ou sequer ter conhecimento de um ato ilícito praticado em seu benefício”, afirmou. Diante desse cenário, programas de compliance efetivos não são apenas desejáveis, mas estratégicos.
As sanções previstas impressionam: multas que podem alcançar 20% do faturamento bruto anual, além de punições reputacionais, como a divulgação de condenações em veículos de grande circulação. A existência de programas de integridade eficazes pode reduzir multas em até 5%. “Não basta ter um código de conduta genérico ou políticas copiadas de outros contextos. As autoridades têm sido bastante criteriosas ao avaliar se o programa de integridade é de fato efetivo”, alertou Cattley.
A aplicação da lei é robusta: já são quase 2 mil processos instaurados pela CGU, número crescente ano a ano. Nesse contexto, mecanismos como os acordos de leniência ganham destaque ao oferecer reduções significativas de penalidades em troca de colaboração. “A multa pode ser reduzida em até dois terços para as empresas que optam por colaborar, além da dispensa de sanções reputacionais e da manutenção do direito de contratar com a administração pública”, explicou a advogada. Até agora, já foram firmados 34 acordos, somando cerca de R$ 20 bilhões. Como alternativa, surge o termo de compromisso, que permite descontos em multas sem a necessidade de apresentar provas às autoridades. Embora menos abrangente que a leniência, o mecanismo busca dar celeridade à resolução de conflitos. “O julgamento antecipado não tinha atratividade; o termo de compromisso veio para corrigir isso”, acrescentou.
O debate também comparou o cenário brasileiro ao francês. Na França, a Lei Sapin II impõe a adoção de programas de integridade para empresas com mais de 500 funcionários e faturamento superior a 100 milhões de euros — e pode atingir também indivíduos, com multas, inabilitação e até prisão. Para Cattley, “é fundamental que multinacionais harmonizem seus programas de compliance para atender simultaneamente às diferentes legislações”.
Para o futuro, Sombra apontou tendências que devem moldar a agenda brasileira, como certificações de integridade, uso de inteligência artificial para fiscalizar contratos públicos e a incorporação da pauta ESG às práticas de conformidade. “A corrupção privada é tão nociva quanto a pública, e o conceito de integridade empresarial tem sido significativamente ampliado”, concluiu.
O cenário atual é inegavelmente desafiador para as empresas, que precisam navegar por um complexo emaranhado de legislações, tanto nacionais quanto internacionais, enquanto administram o risco de sanções severas. Além disso, é fundamental que cultivem uma cultura de integridade sólida em todos os níveis. No entanto, como ressaltado pelos especialistas, a expectativa é que um novo marco regulatório traga maior previsibilidade e segurança jurídica para as empresas.
Confira a gravação do evento na íntegra.