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Debate destaca modernização das garantias imobiliárias com base internacional
Evento da Comissão Legal da CCIFB-SP reuniu especialistas para analisar os efeitos do novo marco legal no setor de Real Estate
A Comissão Legal da CCIFB-SP promoveu, no dia 29 de maio, evento sobre o tema "Execução das Garantias após o Marco das Garantias na Área de Real Estate". O encontro contou com palestras de Fábio Rocha Pinto e Silva, sócio do Pinheiro Neto Advogados, e Patrícia André de Camargo Ferraz, Registradora de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Diadema. A mediação foi conduzida por Carolina Moresco e Fernanda Malta, do escritório GTLawyers.
Os palestrantes conduziram uma discussão sobre a modernização das garantias imobiliárias no Brasil. Ambos destacaram como a adoção da alienação fiduciária revolucionou o mercado imobiliário brasileiro ao tornar mais rápida e eficiente a recuperação de crédito, superando a hipoteca tradicional.
As reformas legislativas iniciadas em 2019 também foram destaque. Segundo Patrícia, elas visam modernizar o sistema de garantias e registros imobiliários no Brasil, promovendo maior segurança jurídica, transparência e dinamismo econômico. A digitalização dos registros, apesar de avançada, ainda enfrenta entraves relacionados ao letramento tecnológico. "Isso não tem nada a ver com direito, mas sim com letramento tecnológico", destacou, ao tratar das dificuldades com assinaturas eletrônicas e formatos de documentos.
A Lei nº 14.382/2022, o Marco Legal das Garantias Imobiliárias, foi analisada como um importante passo para liberar o chamado "capital morto" e ampliar o uso eficiente dos ativos. "Eu estou usando um imóvel que vale 160 para garantir 40", exemplificou Patrícia, ao destacar a possibilidade de reaproveitamento da garantia. A lei trouxe soluções como a alienação fiduciária de propriedade superveniente, extensão da garantia, agente de garantias e o fortalecimento da hipoteca judicial.
Outro ponto em foco foi a possibilidade de registros sucessivos de garantias fiduciárias sobre o mesmo imóvel, criando um encadeamento temporal entre elas. “Isso funciona como uma prioridade temporal, semelhante à hipoteca”, explicou Fábio, acrescentando que a portabilidade de crédito “aumenta a competição bancária e a dinâmica do mercado.” Patrícia complementou com o conceito de recarregamento das garantias, que permite ampliar o valor da dívida garantida, semelhante ao home equity americano.
A figura do agente de garantia também ganhou destaque. Fábio explicou que qualquer garantia pode ser constituída, levada a registro, gerida e ter sua execução feita por agente de garantia, que atua em nome próprio e em benefício dos credores. Essa estrutura, segundo ele, é inspirada no modelo francês e ajuda a conferir maior segurança ao mercado.
A discussão também abordou a equivalência entre execução hipotecária e alienação fiduciária. Fábio explicou que foi criado um ato de publicidade baseado no artigo 167 da Lei 6.015 para facilitar esse paralelismo. Ele ressaltou que o Supremo Tribunal Federal confirmou a constitucionalidade da execução extrajudicial: “O devido processo legal não significa processo judicial, significa que deve haver um processo que está previsto na lei, que tem o seu rito.”
Em trechos mais voltados à aplicação prática das garantias, Fábio e Patrícia destacaram avanços significativos no tratamento das dívidas e na proteção patrimonial de credores e devedores. Fábio ressaltou que o país caminha para uma lógica mais eficiente de crédito, com planejamento setorial, como no agronegócio. Patrícia enfatizou que a alienação fiduciária pode ser aplicada a dívidas estimadas e não apenas líquidas e certas, o que amplia sua aplicabilidade. Ambos defenderam que permitir ao devedor escolher quais bens proteger — e ao credor executar progressivamente os imóveis — traz racionalidade econômica ao processo.
A concentração de informações na matrícula do imóvel foi tratada como elemento central para a segurança jurídica. Patrícia reforçou a importância dessa prática também no Judiciário, principalmente para definição de endereços e transparência patrimonial. Ela ainda comentou a ineficiência de processos judiciais, especialmente em casos de justiça gratuita: “O processo era para ter 100 páginas, vai para mais de 1.000 procurando o sujeito que não quer ser encontrado.” Fábio, por sua vez, explicou que a nova lógica jurídica impõe ao devedor a responsabilidade de manter seus dados atualizados, invertendo o ônus da prova e reforçando a boa-fé nas relações. Também criticou a antiga prática de fracionamento artificial das garantias: “Já vi, muitas vezes, operações em que havia 10 imóveis garantindo uma dívida, e se quebrava artificialmente o valor — se um pegasse fogo, por exemplo, perdia-se 10% da garantia.”
As mudanças introduzidas pelos artigos 26-A e 27 da Lei nº 9.514 — que separam os financiamentos habitacionais de outras modalidades — também foram consideradas um passo relevante, ao permitir execuções parciais conforme a necessidade, sem onerar credores nem devedores.
O debate se encerrou com a percepção de que o caminho trilhado pela legislação recente representa um avanço concreto rumo a um ambiente de crédito mais eficiente, seguro e alinhado às necessidades econômicas atuais. A expectativa agora se volta para a maturidade do mercado e do Judiciário na consolidação desses instrumentos.