São Paulo
Desafios e oportunidades na regulação da inteligência artificial no Brasil
Debate das Comissões de Tecnologia & Inovação e Legal da CCIFB-SP abordou a importância de equilibrar ferramentas digitais e responsabilidade jurídica
A crescente presença da inteligência artificial no cotidiano brasileiro pressiona o sistema jurídico a se adaptar — mas como fazer isso sem travar a inovação? Essa foi a tônica do debate promovido pela CCIFB-SP no evento “O Projeto de Lei de Inteligência Artificial – Pontos de destaque e de atenção”, realizado em 18 de junho. A discussão reuniu associados e convidados para ouvir dois especialistas: Rony Vainzof, sócio do VLK Advogados, e Sofia Kilmar, sócia do TozziniFreire Advogados. A mediação foi conduzida por Sandro Faria e Philippe Boutaud-Sanz, líderes das Comissões de Tecnologia e Inovação e Legal da Câmara, respectivamente.
Vainzof abriu o encontro com um panorama internacional sobre a regulação da IA. Segundo ele, países como Japão, Reino Unido e Singapura optaram por legislações mais abertas e pró-inovação, ao contrário da União Europeia, cujo modelo, mais rígido, vem sendo criticado pelo excesso de burocracia. O advogado relembrou o histórico regulatório do Brasil, citando sua participação em debates sobre o Marco Civil da Internet e a LGPD. Defendeu que o país já possui leis robustas que poderiam ser aplicadas aos desafios da IA. “Como advogado, seria ótimo ter esse projeto aprovado. Gera mais trabalho. Mas será que é isso que o país precisa?”, questionou. Para ele, um plano nacional com foco em boas práticas e inovação poderia ser mais efetivo do que um texto legal prescritivo e de rápida obsolescência.
Sofia apresentou a estrutura do projeto de lei em tramitação no Congresso, que se inspira no AI Act europeu. O texto classifica sistemas de IA em faixas de risco, com exigências mais severas para os de alto risco e proibição para os excessivos. Segundo ela, embora a abordagem seja coerente, há insegurança jurídica pela possibilidade de reclassificação de riscos mesmo após a avaliação das empresas. “A própria autoridade poderá reclassificar os riscos mesmo depois de as empresas realizarem suas avaliações internas”, alertou.
A advogada ressaltou que, no Brasil, os litígios envolvendo IA se concentram nos efeitos concretos das decisões automatizadas, e não nos dados utilizados para treinar os modelos. “Todos os nossos casos que já existem neste momento, sem existir uma regulação de IA, discutem o output, e 90% deles olham para o direito do consumidor”, afirmou. Como exemplo, citou processos judiciais por cobranças indevidas e decisões automatizadas não explicadas.
Vainzof compartilhou casos emblemáticos que ilustram os riscos e a responsabilidade das empresas no uso da IA. Ele destacou o desafio de conciliar o uso intensivo de dados com os princípios da necessidade e minimização previstos na LGPD. “Você está me colocando aqui um canhão para eu usar o dado, se eu não consigo fazer a avaliação de transação”, exemplificou, apontando a tensão entre proteção de dados e eficiência operacional.
O debate incluiu ainda a importância da explicabilidade das decisões tomadas por algoritmos. Sofia mencionou decisões do STJ que estabeleceram que o consumidor deve entender os critérios usados por sistemas automatizados, ainda que o algoritmo em si esteja protegido por segredo comercial. “As variáveis têm que ser abertas para o consumidor entender o que acontece e, eventualmente, a negar algum procedimento ou transação”, defendeu.
Um dos pontos mais sensíveis discutidos foi a obrigatoriedade da revisão humana em decisões automatizadas. Para Sofia, essa exigência pode representar uma interferência indevida na governança empresarial. “Toda IA tem supervisão humana. O problema é obrigar essa revisão, o que tira a esfera de governança do setor privado e a entrega ao Judiciário”, avaliou. Vainzof concordou, ressaltando que o Brasil ainda não esgotou o uso das ferramentas legais existentes. “Não testamos ainda as leis nem as autoridades existentes para comprovar que é necessária uma regulação mais prescritiva.”
Ao final, os palestrantes defenderam uma abordagem equilibrada para a regulação da inteligência artificial. O Brasil, segundo ambos, deve investir em normas que protejam direitos fundamentais, mas sem comprometer a competitividade, a inovação e a segurança jurídica das empresas.