São Paulo Comissões

Empresas se preparam para a diretiva europeia de relatórios de sustentabilidade

Comissões de Bioeconomia e Legal da CCIFB-SP discutem os principais aspectos da CSRD e como as empresas brasileiras estão se ajustando às suas implicações

 

Comissão de Bioeconomia e a Comissão Legal da CCIFB-SP realizaram no dia 18 de abril um evento que abordou os principais aspectos da Diretiva Europeia sobre Relatórios de Sustentabilidade (CSRD) e seu impacto direto nas empresas brasileiras. Os palestrantes convidados foram Cyrille Bellier, diretor executivo da Rever/ Utopies Brasil; Carolina Hasegawa, head ESG da Rever/ Utopies Brasil; Fernanda Souza, sócia da Chenut Advogados, e Edouard Lemoalle, sócio da Adaltys. O evento teve a mediação do colíder da Comissão de Bioeconomia, Fernando Tabet.

A CSRD ou Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa é uma das bases do Pacto Ecológico Europeu e representa um avanço significativo em comparação com os requisitos atuais relativos aos relatórios de sustentabilidade. Essa nova lei regulamenta os requisitos para a elaboração de relatórios de sustentabilidade e, embora seja específica da comunidade europeia, estima-se que terá uma ampla implicação no mundo todo, com repercussões diretas e indiretas em muitas organizações. 

Cyrille Bellier enfatizou a urgência da Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD) dado o momento crítico que vivemos em relação ao meio ambiente. Ele destacou a necessidade de revisões nos compromissos empresariais para enfrentar as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade, retomando e cumprindo, assim, os objetivos firmados do Acordo de Paris. Ele lembrou que a COP 30, que será realizada em Belém no próximo ano, será um momento crucial para que empresas reavaliem suas metas e trabalhem em uma jornada climática efetiva.

Segundo Bellier, é preciso pensar em nos valores econômicos relacionados à biodiversidade e à cadeia social. Só a primeira, estima-se, reúne algo em torno de 1,5 trilhão de dólares em serviços ecossistêmicos. As cadeias sociais, que englobam salário digno, condições de trabalho e diversidade, ganham cada vez mais importância no cenário atual. O convidado também mencionou a dificuldade na previsão de riscos ambientais, como vem acontecendo com o sudeste da França, a Califórnia e certas regiões da Austrália, que afeta as securitizadoras, e destacou a aceleração do quadro de normativas internacionais como um ponto relevante para os negócios.

“As normas são oportunidades cruciais para conscientizar e mobilizar empresas e líderes sobre a importância da sustentabilidade e da responsabilidade corporativa em um mundo em constante mudança e desafios ambientais crescentes”, afirmou.

Visão legal – Em seguida, Edouard Lemoalle apresentou como o assunto é visto no direito. Para ele, a diretiva não chega a trazer assunto novo, uma vez que ele é debatido há mais de 20 anos. A novidade é que, até então, as questões relacionadas ao meio ambiente eram focadas no aspecto financeiro, ou seja, a rentabilidade e a sustentabilidade eram debatidas juntas. Durante algum tempo houve críticas de que algumas ações poderiam não passar de marketing – o chamado “green washing” –, o que levou a discussão a adquirir nuances políticas, como explicou o advogado.  A CSRD, então, surge para aproximar o campo público do privado e chegar a uma solução de meio-termo, com informações financeiras para investidores. “O objetivo real da CSRD não é tanto focar nos acionistas e stakeholders, mas responsabilizar social e juridicamente os membros de administração e da diretoria das empresas sobre questões ambientais”, afirmou. “O grande diferencial da CSRD é a aplicação extraterritorial da União Europeia, que entra em vigor em 2028. No momento, a norma está na fase de receber decretos complementares, que especificam detalhes. Estamos no começo de uma nova história.”

De acordo com Lemoalle, a nova diretiva traz a obrigação de reportings anuais, cujos detalhes ainda serão apresentados às empresas.  Ele esclarece que, no caso de multinacionais, é a matriz, e não as filiais, que são responsáveis por publicar os relatórios. “As filiais passam informações, mas não têm a obrigação da publicação. É um trabalho contábil, mas ao mesmo tempo o relatório não traz informações financeiras. Além disso, os relatórios tradicionais falam do ano que passou. A metodologia CSD fala do futuro, ou seja, do trabalho que ainda será feita. São metas não financeiras.”

“Efeito Bruxelas” – A convidada Fernanda Souza acrescenta que a discussão sobre a diretiva já está sendo iniciada no Brasil, especialmente no âmbito de compliance, responsabilidade corporativa e supply chain. Segundo ela, ocorre o chamado “efeito Bruxelas”, que é quando normas e regulamentações da União Europeia se espalham para outros países. Isso porque o bloco europeu tem grande capacidade de regulamentar normas criadas na região, além de contar com um poderoso mercado consumidor. Dessa forma, explica, “as empresas que têm interesse e contato com o mercado europeu acabam por se antecipar a essas normas e já as adotam antes de serem obrigatórias. No Brasil isso já vem acontecendo, em especial com temas de sustentabilidade. Inclusive espera-se de empresas com governança bem estruturada que ajam dessa forma. Os consumidores estão conscientes e exigem postura responsável por parte das empresas.”

De acordo com Fernanda, o ideal é que as empresas se antecipem à regulamentação, uma vez que ela tem grande complexidade e suas normas exigem certo tempo de adaptação. “O olhar da CSRD é voltado aos impactos sociais e ambientais e muitas empresas ainda não têm isso estruturado. Os dados são exigidos também dos prestadores de serviço, então é interessante já segui-la até para evitar greenwashing e dar confiabilidade aos dados”, diz a advogada.

Para as empresas que ainda não pensam em aderir à diretiva e cumprir suas obrigações, o recado é direto: “o principal dano para quem fica de forma é o reputacional. É como aconteceu com o compliance tempo atrás. Além de perder mercado, o dano reputacional às empresas é imensurável e vai além de multas ou prejuízo financeiro. Existe até a possibilidade de exclusão ou inacessibilidade ao mercado europeu.”

Experiências – Carolina Hasegawa abordou a experiência de empresas que estão se adaptando à CSRD e como essa diretiva se desdobra dentro da gestão empresarial. Ela lembrou que a iniciativa regulatória abrange aspectos transversais e temáticos, com cerca de 110 pontos de dados que devem ser reportados, incluindo requisitos gerais, governança, estratégia, gestão de impactos e oportunidades, além de aspectos temáticos como mudanças climáticas e cadeia de valor. Ela explicou que é obrigatório para empresas com mais de 250 funcionários próprios reportar sobre sua força de trabalho; por outro lado, a CSRD permite a omissão de algumas informações relacionadas à inovação e competitividade, que podem impactar no relacionamento das empresas com os concorrentes. Carolina reforça que é fundamental observar o conceito de dupla materialidade, que conecta a responsabilização das empresas e dos conselhos a questões sociais, ambientais e de governança. “A dupla materialidade exige o entendimento do contexto de operações da empresa, sua cadeia de valores, seus pontos fortes e fragilidades, como riscos de desabastecimento por questões sociais e ambientais, por exemplo”, afirmou.

A escolha do tipo de relatório a ser seguido pela empresa depende de vários fatores, incluindo seu contexto operacional, maturidade em sustentabilidade e preferências de stakeholders, além da região em que atua e seu grau de maturidade nos negócios. “Acredito que a CSRD chega com uma grande relevância ao engajar as lideranças em temas de sustentabilidade, que agora são atrelados a todo o desempenho da empresa. Por permitir a análise e a melhoria do modelo de negócios, a diretiva certamente veio para ficar”, acrescentou.