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Entrevista ESG: “Os obstáculos são muitos, mas o caminho passa pela cooperação”

Francisca Viudes compartilha suas perspectivas sobre a COP30, bioeconomia e o papel estratégico das empresas
Presidente da Futura Headquarter, filial brasileira da holding francesa SEER Europe, Francisca Viudes lidera iniciativas voltadas ao desenvolvimento sustentável, com foco na bioeconomia e na agricultura de baixo carbono. À frente da empresa, atua na transformação de resíduos verdes e agrícolas em biocarvão ativo (biochar), um aditivo orgânico que melhora significativamente a fertilidade do solo, contribui para a regeneração ambiental e sequestra carbono em grande escala.
Com ampla trajetória internacional, Francisca fala cinco idiomas e tem participado como palestrante e painelista em conferências globais sobre sustentabilidade, incluindo fóruns do G20, da ONU e de renomadas universidades. Além da atuação empresarial, é uma voz ativa na agenda pública: realiza advocacy no Executivo e no Legislativo, articulando propostas com senadores, deputados e ministérios como o do Meio Ambiente e Clima (MMA) e o da Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior (MDIC), com o objetivo de fortalecer políticas públicas ligadas à sustentabilidade e à economia verde no Brasil.
1. Quais são suas expectativas para a COP30? Como esse evento pode envolver mais o setor privado na transição ecológica?
Esta COP será especialmente decisiva. Já não falamos apenas de mudanças climáticas, mas de uma verdadeira emergência climática. O cenário internacional é marcado por contrastes: enquanto alguns países enfrentam retrocessos, outros avançam de forma significativa. O que inspira otimismo, no entanto, é o crescente engajamento do setor privado. Empresas têm demonstrado um papel cada vez mais ativo no financiamento de pesquisa e desenvolvimento, bem como na criação e implementação de soluções tecnológicas e ambientais. São essas iniciativas que impulsionam projetos concretos de transição ecológica e reforçam a capacidade de resposta frente aos desafios climáticos globais com multilateralismo.
2. Como as empresas da CCIFB podem contribuir para avançar nas metas de sustentabilidade? Que desafios você enxerga no meio corporativo?
Diversas empresas associadas à Câmara de Comércio França-Brasil (CCIFB), tanto PMEs quanto grandes grupos, já estão assumindo a liderança na transição ecológica, desenvolvendo soluções ambientais com impacto positivo no meio ambiente. É o caso da minha própria empresa, que atua no tratamento e na transformação de resíduos, na regeneração e despoluição dos solos, na descontaminação da água, no combate à seca e no sequestro geológico de carbono em larga escala.
É o caso da minha própria empresa, que atua no tratamento e na valorização de resíduos, trazendo soluções para a descarbonização da agricultura e da industria Brasileira. Trabalhamos com um conceito de economia circular local, de parceirias estratégicas e como parte do nosso ADN, um retorno financeiro para todos os participantes da cadeia.
Nesse contexto, tenho orgulho de anunciar uma nova parceria estratégica com a Axioma Biologicals para o desenvolvimento de biosoluções voltadas à agricultura, incluindo produtos para uma melhor adaptação das culturas as mudanças climáticas para uma segurança alimentar.
Além da inauguração do nosso ICT — um centro dedicado à inovação e à pesquisa em tecnologias sustentáveis, estamos lançando uma nova Plataforma-Market Place digital, CLIIN (www.cliin.com.br), para direcionar e valorizar todos os tipos de resíduos, com serviços de suporte (bancários, de seguro, de logística...), com rastreabilidade, tokenizaçao dos ativos e na segunda fase, uma nova moeda ambiental. A CLIIN tem como objetivo de facilitar a produção de materiais reciclados bem como acelerar a produção de energias renováveis.
Na própria CCIFB, contamos com um grupo de trabalho voltado à Bioeconomia e Sustentabilidade, onde essas questões são debatidas com profundidade. Várias dessas empresas também estabeleceram novas metas e políticas ESG, que já estão sendo colocadas em prática.
No entanto, é evidente que muitos dos desafios enfrentados pelas empresas são de ordem financeira. Surgem dúvidas frequentes como:
- "Como financiar uma startup voltada à sustentabilidade?";
- "Como os investidores vão reagir às mudanças — por vezes radicais — que uma empresa precisa implementar?";
- "Como transformar um projeto em uma planta operacional enfrentando uma carga burocrática intensa, além de obter autorizações ambientais para tecnologias disruptivas ainda desconhecidas por agências e autoridades?".
Os obstáculos são muitos, mas o caminho passa pela cooperação. Precisamos compartilhar experiências, apoiar uns aos outros e construir redes que ajudem a viabilizar soluções, acelerar a inovação e garantir o sucesso das novas implementações.
3. Na sua visão, por que a bioeconomia pode ser uma chave para o desenvolvimento sustentável no Brasil? O que falta para destravarmos esse potencial?
Quando falamos em bioeconomia e desenvolvimento sustentável, é comum pensarmos em hidrogênio verde, energias renováveis e novas tecnologias. No entanto, não podemos esquecer de dimensões igualmente fundamentais como a segurança alimentar, a reciclagem, a resiliência e a capacidade de adaptação do povo brasileiro.
A soberania alimentar no Brasil é um tema complexo, que envolve garantir o direito humano à alimentação adequada, promover uma produção agrícola sustentável e respeitar a diversidade cultural e ambiental do país. Apesar de ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo, o Brasil ainda enfrenta desafios profundos em relação à segurança alimentar e nutricional.
Para mudar esse cenário, é essencial que empresas e autoridades se unam na construção de um novo modelo de desenvolvimento — um modelo financeiro que incorpore planos de ação sensíveis às questões de gênero e inclusão social, com programas de capacitação, incentivos e propostas legislativas voltadas às comunidades mais vulneráveis. São justamente essas comunidades que estão na base da produção de alimentos e da preservação ambiental, como os agricultores familiares ou os catadores de materiais recicláveis nas cidades.
Precisamos caminhar rumo a um mundo mais justo, com mais equidade e inclusão. Apoio o plano das Nações Unidas, GESI (Gênero, Igualdade e Inclusão Social), e acredito que todas as empresas deveriam adotar esses princípios em suas estratégias de sustentabilidade.
Como afirmam as próprias Nações Unidas, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável reconhecem que a igualdade de gênero, o empoderamento feminino e a inclusão social são pilares fundamentais para reduzir a pobreza e construir um mundo mais saudável, seguro, limpo, educado, conectado, justo e igualitário.