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Entrevista ESG: "Sustentabilidade e rentabilidade podem – e devem – andar juntas"

Head de Investimento em Inovação para Natureza da KPTL destaca o papel do investimento responsável e do ESG no fortalecimento de negócios de impacto

Danilo iniciou sua carreira na State Street com passagem pelo Merrill Lynch Wealth Management. Antes de se juntar à KPTL em 2020, passou 10 anos na BlackRock em Paris, colaborando com o desenvolvimento de produtos de investimento sustentável e ajudando investidores institucionais a alinhar suas carteiras com transição de baixo carbono na França, Bélgica e Luxemburgo.

Formado em economia pela Universidade Sorbonne, com mestrado em Macroeconomia e Finanças pela Universidade Paris-Dauphine-PSL, Danilo possui MBA executivo pela FIA Business School e é CFA charterholder.

A KPTL é uma gestora de investimentos focada em inovação profunda, com 22 anos de experiência no ecossistema brasileiro; um time de 25 pessoas e mais de 130 investimentos realizados,  sendo mais de 50 em deeptechs e biotechs. 

 

1. Como a KPTL enxerga a importância do investimento responsável no cenário atual do mercado brasileiro e qual o papel que a gestora deseja desempenhar nesse contexto?

A KPTL é uma gestora de venture capital com 22 anos de atuação, pioneira no investimento em inovação no Brasil, desde o lançamento do seu primeiro fundo em 2006. Desde o início, apostamos na inovação profunda como força transformadora da sociedade. Acreditamos que negócios com impacto real geram valor de longo prazo e maior estabilidade, pois sua relevância social é determinante para o sucesso.

Focamos em setores estratégicos como governo, agronegócio, clima, bioeconomia e Amazônia, onde inovação e sustentabilidade andam juntas. No agro, por exemplo, investimos em tecnologias que aumentam a produtividade com menor uso de terra e insumos, reduzindo a pressão por desmatamento.

O investimento responsável, com foco em inovação, tem um papel central na descarbonização da economia e na criação de novas oportunidades de negócios no Brasil. Já observamos avanços em áreas como combustíveis sustentáveis para aviação, novos materiais substitutos do plástico e baterias, além da bioeconomia baseada na biodiversidade brasileira. Um exemplo promissor é o de uma startup que desenvolveu um corante azul natural, raro na natureza, com potencial impacto positivo na saúde global. Investimos também numa startup chamada Ages Bioactive Compounds, que usa bioativos Amazônicos incríveis para criar produtos que ajudam as pessoas a envelhecer com mais saúde, e está em forte crescimento.

Apoiamos negócios cujo core business está ligado à sustentabilidade, como o agronegócio sustentável, biofármacos e energia limpa. À medida que essas empresas crescem, tornam-se cada vez mais relevantes não só para a agenda climática, mas também para a economia brasileira. Nosso papel é impulsionar esse ecossistema, promovendo retornos financeiros sustentáveis e soluções capazes de melhorar a sociedade como um todo, seja em serviços públicos, clima, meio ambiente ou produção agrícola.

 

2. Quais são os principais critérios ESG que orientam a análise e a seleção de empresas no portfólio da KPTL?

A KPTL tem um olhar amplo para ESG, incorporando critérios ambientais, sociais e de governança em todo o processo de investimento. Desde a análise inicial, utilizamos uma matriz de riscos ESG para entender onde os riscos são materiais e como a empresa se posiciona, seja em sua atividade principal ou em práticas internas. Nosso objetivo é apoiar negócios que atuem em setores estratégicos, como agro sustentável, mas que também apresentem atitudes sustentáveis no seu funcionamento.

Além disso, operamos fundos específicos como agro, govtech e clima. Cada fundo tem critérios próprios de análise de impacto. No fundo de govtech, por exemplo, observamos a relação com serviços públicos de massa, como educação e saneamento, e mensuramos o número de pessoas impactadas. Essa abordagem vai além do ESG tradicional, focando em métricas reais de impacto. Já a governança é fortalecida diretamente com as empresas investidas, por meio da criação de conselhos e processos que sustentem seu crescimento e impacto de longo prazo.

Em 2020, contratamos uma consultoria para estruturar o ESG dentro da gestora. A proposta era desenvolver uma metodologia clara, compreensível para o mercado e transparente para investidores e outras gestoras. Queríamos fugir de uma matriz ESG “proprietária”, que só a KPTL entendesse.

Para mensuração de impacto, combinamos percepção e intencionalidade com o uso de um framework que analisa cinco dimensões: para quem o impacto é gerado, sua escala, localização, adicionalidade e risco. Esse modelo nos permite comparar diferentes empresas, por exemplo, uma de economia circular, outra de energia limpa, dentro da mesma carteira, agregando uma nota de impacto comum.

Num portfólio com diversos fundos, adotar uma ferramenta reconhecida e padronizada facilita a comunicação com investidores e torna o processo mais eficiente. Afinal, sem uma linguagem comum, a comparação entre fundos e empresas fica comprometida.

 

3. Como a KPTL enxerga o papel do setor privado, especialmente das empresas francesas atuantes no Brasil, na promoção do investimento responsável e na disseminação das práticas ESG? E de que forma a Câmara de Comércio França-Brasil pode contribuir para fortalecer essa agenda?

O papel do governo é central na agenda de sustentabilidade, estabelecendo regras e incentivos. Mas, no fim das contas, é o setor privado que precisa abraçar e liderar a transição e a adoção de práticas ESG. A França é referência global nesse campo, com empresas que há anos integram sustentabilidade às suas estratégias de negócio.

Vivi na França entre 2002 e 2020, e nos últimos 10 anos atuei com investidores institucionais. Desde o Acordo de Paris, e em muitos casos, até antes dele, temas como investimento sustentável, ESG e carteiras alinhadas ao cenário de 1,5ºC estavam presentes em praticamente todas as conversas. Fundos de pensão, seguradoras, bancos, gestoras, corporações e até bancos centrais já tratavam o tema como prioridade. Esse know-how francês se destaca até mesmo no contexto europeu.

As empresas francesas têm prática, conhecimento e credibilidade para liderar essa agenda, conciliando sustentabilidade, produtividade e geração de valor para a sociedade. No Brasil, o cenário é diferente em termos sociais, regulatórios e econômicos, mas, com mais de dois séculos de presença aqui, essas empresas conhecem o país e podem atuar em parceria com empresas brasileiras para impulsionar essa pauta.

Vale lembrar que o Brasil é um dos principais mercados para muitas dessas companhias. É o segundo maior mercado global da Engie, focada na transição energética, e também do Carrefour, que exerce grande impacto social em toda a cadeia de alimentação e no contato direto com o consumidor.

Acredito que esse know-how internacional, aliado ao compromisso já assumido globalmente por essas empresas, deve ser trazido para o Brasil com responsabilidade e adaptação à realidade local. Muitas vezes, boas práticas importadas precisam de sensibilidade para não gerar ruídos. 

Por isso, é essencial alinhar a sustentabilidade à rentabilidade. As empresas francesas têm mostrado que é possível avançar nessas agendas sem abrir mão de resultado financeiro e, no fim das contas, é isso que garante a continuidade da estratégia. Sem viabilidade econômica, não há sustentabilidade possível.

 

4. De que maneira a KPTL atua para engajar as empresas investidas na adoção e aprimoramento contínuo das práticas ESG?

Na KPTL, atuamos como investidores estratégicos e relevantes, com participações que variam entre 10% e 30% nas empresas em que investimos. Mais do que capital financeiro, oferecemos apoio ativo ao crescimento das investidas, influenciando de forma direta sua estratégia, vendas, construção de time e posicionamento de mercado.

Essa atuação de longo prazo nos permite também incorporar temas sociais, ambientais e de governança no dia a dia das empresas. A pauta ESG, por exemplo, está cada vez mais presente nas decisões de negócios. Por isso, buscamos mostrar aos empreendedores que, no futuro, suas práticas terão impacto direto em sua capacidade de atrair clientes, acessar mercados ou realizar uma saída bem-sucedida.

A ausência de boas práticas pode dificultar a liquidez ou reduzir o valor percebido da empresa. Em contrapartida, a adoção consistente de princípios ESG pode representar um diferencial competitivo, inclusive com prêmio de mercado em determinadas situações. É por isso que trazemos esses temas para a mesa desde cedo, não apenas como recomendação, mas como parte do desenvolvimento estratégico das empresas em que investimos.

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