No mês em que o incêndio no Museu Nacional completa um ano, a CCI França-Brasil faz uma reflexão sobre como ações coletivas de Responsabilidade Social Empresarial podem apoiar a manutenção de patrimônios culturais, especialmente o patrimônio histórico brasileiro.
Em 02 de setembro de 2018, um incêndio de grandes proporções atingiu o Museu Nacional, instituição científica mais antiga do país e patrimônio histórico brasileiro, com 200 anos de história. Instalado no Palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, o Museu sofreu danos na estrutura do edifício e em seu extenso acervo – mais de 20 milhões de itens abrigados antes do episódio –, comprometido, desde então, pela destruição de fósseis, múmias, peças indígenas, livros e documentos raros. A perda de bens culturais imensuráveis provocou discussões em torno da eficácia de políticas públicas para preservação e manutenção do patrimônio histórico brasileiro, e sensibilizou atores do setor público, privado e sociedade civil.
A Lei 13.800/2019, sancionada com vigência imediata em janeiro deste ano, surgiu como uma das respostas a esse debate. A proposta é regulamentar fundos patrimoniais constituídos por doações de empresas e pessoas físicas a programas e projetos que contemplem interesse em bens públicos, inclusive o patrimônio histórico brasileiro. A medida destaca-se por estabelecer parâmetros de governança e transparência, o que permitiria ampliar a atração de recursos do setor privado para estimular a preservação do patrimônio histórico brasileiro.
Segundo a Chefe de Departamento de Educação e Cultura do BNDES, Luciane Gorgulho, “a Lei 13.800 tem, entre seus benefícios, propiciar maior segurança jurídica ao afastar o risco sobre o patrimônio histórico brasileiro decorrente de contingências diversas, e o estabelecimento de critérios mínimos de governança, o que deverá trazer maior atratividade para os doadores”. A instituição colaborou com o desenvolvimento da normativa por entender tratar-se de um instrumento importante para o avanço da preservação do interesse público e construção de legados para gerações futuras.
Para o Coordenador da Comissão de Responsabilidade Social (RSE) da Câmara de Comércio França-Brasil, Rodrigo Santiago, a cultura é um dos pilares das práticas de RSE, integrando-se à vida em comunidade e ocupação de territórios. “Quando pensamos em questões sociais, a cultura e a vida do território são a base para qualquer engajamento comunitário. As empresas, por serem formadas por pessoas e interagirem em seus espaços, estão inseridas nesse contexto, o que torna cultura, patrimônio e território importantes pilares para as práticas de Responsabilidade Social Empresarial”, afirma.
Hoje, muitas intuições culturais recebem apoio do setor privado para preservação de patrimônio histórico mediante associações de amigos, fundações e outras iniciativas, sem conseguir estabelecer uma gestão sustentável que permita planejamentos de longo prazo. De acordo com o advogado, sócio do Veirano Advogados, office do Comitê de Direito da Arte, Instituições Culturais e Patrimônios da Internacional Bar Association (IBA), Marcos Ludwig, a constituição de fundos patrimoniais poderá instrumentalizar mudanças nessa estrutura, permitindo às empresas exercitarem com mais segurança suas práticas de Responsabilidade Social Empresarial. “Os fundos patrimoniais passam a ser o mecanismo apropriado para o mecenato privado sustentável, permitindo o florescimento da cultura filantrópica, no caso do empresariado, como novo veículo para o exercício da Responsabilidade Social Empresarial”, ressalta.
A constituição de fundos patrimoniais (tradução para a expressão em inglês endowment funds) tem como referência a experiência dos Estados Unidos, um dos países pioneiros a adotar a modalidade, em especial no setor educacional. Marcos Ludwig explica que na França conceito similar foi introduzido em 2008 sob a forma dos fonds de dotation. Já em 2009, instituições como o Museu do Louvre constituíram ou foram beneficiadas por fundos dessa espécie. Embora mais detalhada e com características próprias, a recente Lei brasileira (13.800/2019) contém traços semelhantes aos da Lei francesa de 2008. “Tanto as instituições públicas quanto o setor privado brasileiros só têm a ganhar ao estudar os erros e acertos que a França experimentou nessa década para moldar da forma mais eficiente possível os fundos patrimoniais que esperamos que comecem a nascer em nosso país”, destaca. De acordo com o advogado, a preservação patrimonial também é uma oportunidade em potencial de contribuição ao desenvolvimento sustentável através da manutenção de bens histórico-culturais.
No dia 12 de novembro, a CCI França-Brasil do Rio de Janeiro irá promover um ciclo de palestras e debates sobre Responsabilidade Social Empresarial na área cultural. O objetivo é proporcionar um intercâmbio de experiências públicas e privadas em matéria de financiamento da cultura e engajamento do setor privado, com a participação de representantes de empresas, autoridades, especialistas e membros do serviço diplomático francês.
“Por ser recente, a Lei 13.800/2019 ainda possui pouca aplicabilidade. O tema precisa ser debatido à luz de experiências internacionais. Por isso, nosso encontro sobre financiamento da cultura integrará a discussão focada em oportunidades abertas pela lei de fundos patrimoniais. Entendemos a preservação do patrimônio histórico e cultural como um elemento primordial para a vida dos territórios”, completa o Coordenador da Comissão de RSE da CCIFB-RJ, Rodrigo Santiago. Em breve, mais informações e programa completo.
(Foto: Paulo R C M Jr.)